Tuesday, January 2, 2007

As Fontes


Sentado, ao pôr-do-sol, no banco da fonte da minha aldeia, visualizo nas paredes velhas, mas agora restauradas, o filme da sua existência.
Por esta hora começavam a chegar a Maria, a Alzira, a Olinda a Fernanda e outras moças com os cântaros que, depois de cheios, eram transportados à cabeça num desafio constante às leis da Física. Enquanto esperavam pela sua vez era posto em dia o noticiário da aldeia. A um ou outro canto começava a desenrolar-se um namorico que, em muitos casos, levava ao casamento. Os rapazes, depois de um dia de trabalho duro, encontravam-se aqui para dois dedos de conversa e, ao mesmo tempo, dirigir uns olhares matreiros à Fernanda ou à Joaquina.
b No tanque ao lado, a burra do Bento vem fazer a provisão para a noite que se aproxima e os bois do Francisco aproveitam a viagem de transporte de lenha e armazenam umas dezenas de litros de água fresquinha.
Os pares mais românticos, dão a vez aos mais atrasados e esperam para serem os últimos a deixar a fonte, depois de ali fazerem promessas de muito amor.
Este e tantos outros filmes poderão ainda passar pelas mentes dos que, como eu já ultrapassámos há muito o meio século. Por isso não posso deixar de lamentar que haja por esse país fora, e no meu concelho, nomeadamente, tanta fonte abandonada.
Quantas vezes em cima de uma carroça carregada com mercearias para a loja do meu pai, subi aquela estrada que vai para o Olival, à saída de Ourém, à hora de almoço, no verão e abençoei a água da fonte que aí havia e que me matava a sede e à minha égua. Hoje passo lá e quanto lamento o estado de degradação em que se encontra. Um património que julgo, tem mais de um século.
Senhores autarcas, provavelmente serão mais jovens do que eu e por isso lhes desculpo esta insensibilidade para com um património que pode não ser arquitectonicamente muito valioso, mas será para muitos ainda, uma riqueza sentimental muito significativa. Creio que a despesa maior será pôr água a correr nestas fontes, mas algumas até nem necessitam. Mas umas horas de pedreiro a tapar as fendas e um dia de pintor podem fazer maravilhas. Aqui lanço o desafio.
Na minha aldeia a junta e particulares tem estado a recuperar algumas. Os meus parabéns.


Nota : Os nomes das personagens da visualização só acidentalmente serão verdadeiros.

1 comment:

Lita said...

Como é bela a nossa fonte! Como é bela a casa que a olha! Um dia também hei-de escrever sobre uma fonte que, sendo da minha terra, também é tua.